"O SABOR DO BOLO
08/09/2012 - Cristovam Buarque - Jornal: O GLOBO - Editoria: Opinião - Pág.: 19 - Primeiro Caderno
Por 50 anos, as forças conservadoras têm dito que é preciso crescer o
bolo para depois distribuir; e as forças progressistas afirmam que é preciso
distribuir para fazer o bolo crescer. O bolo cresceu, mas ficou amargo. É hora
de pensar qual o sabor que desejamos para o bolo produzido pela economia
brasileira.
Nesse período, a produção cresceu e nos fez a sexta economia do mundo,
com R$ 4,1 trilhões por ano, sendo R$ 21 mil para cada brasileiro; as ruas
estão cheias de carros, e as casas, de eletrodomésticos. Mas, ao redor desta
abundância, o país continua entre os mais desiguais do mundo, com 10% de sua
população analfabeta; 3,8 milhões de crianças fora da escola, das quais muitas
nas ruas; as notas do Ideb envergonham e amarram o progresso; as florestas queimam;
os campos estão vazios e as cidades, inviáveis. Além disso, a violência no
trânsito e no crime deixam cerca de 100 mil mortos por ano, além de dezenas de
milhares de deficientes que fazem o Brasil parecer um país recém-saído de uma
guerra.
O crescimento econômico baseado no aumento do consumo no mercado
interno e na produção de commodities está se esgotando pela falta de poupança e
investimentos, pelo endividamento das famílias, por razões ecológicas ou pelo
risco de redução na demanda externa. O estado de bem-estar, incluindo as
transferências de renda, não está criando portas de saída para a pobreza e se
esgota financeiramente.
O futuro, mesmo se o bolo crescer, não parece promissor. No lugar de
crescer para distribuir ou distribuir para crescer, é preciso mudar a receita
do bolo, reorientar o propósito do padrão do avanço econômico, social,
ecológico e cultural.
O crescimento econômico deve ser visto como um meio para alcançarmos
uma sociedade na qual as pessoas possam andar sem medo; sem a vergonha da
posição no campeonato mundial de concentração de renda. Tenha competitividade
decorrente de uma população educada e culta; com um sistema de saúde que atenda
nossa população; com todas as crianças bem cuidadas, em boas escolas; com um
Estado eficiente, capaz de reduzir a carga fiscal e usar os recursos obtidos
para oferecer serviços com qualidade ao público de hoje e do futuro; com
processo produtivo capaz de concorrer no mercado internacional, não apenas por
custo baixo, mas, sobretudo, pela capacidade de inovar e oferecer novos
produtos baseados em alta tecnologia.
Tudo isso deve ser parte da receita para o bolo que, ao crescer,
carregará o bem-estar social e a distribuição dos benefícios no presente e no
futuro.
Para construir esse novo bolo, é preciso mudar o perfil do PIB, não
apenas fazê-lo crescer. Ele deve ser produzido a partir do respeito ao meio
ambiente e equilíbrio social e priorizar investimentos que levem o país a ter
um novo retrato, especialmente na educação de qualidade para todos. Porque a
educação é o principal condimento do sabor desejado para o bolo que queremos."
Nenhum comentário:
Postar um comentário